
As chuvas de maio/24, que atingiram mais de 90% das cidades do Rio Grande do Sul, segundo dados da Defesa Civil do RS, afetaram a comunidade gaúcha como um todo. Sofremos individualmente, cada qual em diferentes proporções, e sofremos coletivamente, sentindo a dor e o desespero do outro.
Contudo, mesmo em meio ao caos, percebemos que abaixar a cabeça e nos deixar levar pelas preocupações não poderia ser uma opção. Na mesma velocidade com que a tristeza veio, ela se transformou em empatia, em ganas de ajudar o próximo. Dessa forma, muitas pessoas sentiram o dever de até mesmo colocar as galochas e ir para o meio da lama procurar seus entes queridos, recuperar seus bens, resgatar animais.
Entretanto, nem sempre essa vontade de ajudar se mostrou efetiva, gerando o resultado esperado. A emoção falou mais alto que a razão e, nos casos mais extremos, resgatantes chegaram a se tornar resgatados. Frustração, culpa, medo, aflição, angústia, uma enxurrada de sentimentos tomou conta. Como organizar nossa mente e nosso coração para poder acolher o próximo?

Aline Zan, gestora na área de segurança do trabalho na empresa Vitaseg, presidente da ADRH-BG, diretora e instrutora dos treinamentos Dale Carnegie em Bento Gonçalves, precisou, mais do que nunca, focar e relembrar os ensinamentos dos cursos que ministra. “No início, acredito que como todos nós, fiquei sem compreender a dimensão do que estávamos vivendo. Precisei usar muitas das minhas estratégias de liderança e voltar para a razão, não me deixar cair na emoção, para me centrar e encontrar maneiras de ser verdadeiramente útil sem incomodar, e também ajudar as minhas equipes, fosse na Vitaseg, no Dale e nas instituições, a não se deixarem levar unicamente pelo sentimento”, conta.
O treinamento Dale Carnegie é guiado por 30 princípios referentes às relações humanas e 30 princípios referentes ao gerenciamento de estresse, ensinados com o propósito de ressignificar as mais diversas ações do carnegiano (nome dado aos alunos dos cursos), principalmente na vida profissional, mas também na vida pessoal. Eles instigam os aprendizes a olharem para si, para suas emoções, suas ações e como elas impactam a sua relação com o outro, seja um colega de trabalho, um funcionário, um possível cliente, mas respingando também em casa, com a família, com amigos e, acima de tudo, consigo mesmo.
Por serem tão vastos em seus ensinamentos, a maior parte dos princípios Dale, se verdadeiramente aplicados, tem o poder de transformar as relações e gerar frutos que, em momentos de crise como este, são perceptíveis na maneira como a pessoa, lida com essa gama de situações, gerenciando seu próprio estresse e o das suas equipes. Quando Aline se viu tomando conta das próprias emoções e, como líder, das suas equipes de trabalho, foi o momento de rebobinar. “Um princípio que me ajudou nesse processo de liderança foi “faça perguntas antes de ordens diretas”, porque não adianta ser impositiva e mandá-los ficarem em casa, ficarem seguros, se a emoção fala mais alto e a reação é enfrentar a água com o próprio corpo para salvar as pessoas. É necessário fazer com que o outro se questione sobre as suas potencialidades e fragilidades, o levando a encontrar soluções por si mesmo”, explica.

Para Evandra Stringhini, gerente de operações na Giordani Turismo e carnegiana formada, a primeira reação para com a empresa foi montar uma organização estratégica para que os mais de 100 funcionários diretos e terceirizados pudessem se tranquilizar. “Trabalhando com turismo, começamos cancelando os eventos e parando as equipes, dando a segurança de que estaríamos junto com nossos funcionários. Com certeza o treinamento veio a somar, pois me senti mais preparada e tranquila para voltar ao eixo mesmo em meio a tantas notícias e situações ruins, e guiar minha equipe com esperança, certa de que estamos enfrentando juntos essa batalha”, relembra.
A gerente de operações descreve que não basta fazer o treinamento Dale Carnegie, é necessário colocá-lo em prática na rotina, estar presente em todos os momentos. “Por ter feito o curso, percebi que não era uma questão de pegar o livro e escolher os princípios que ia colocar em prática, é algo que já exercitamos no dia a dia, nesse momento de maneira muito mais aprofundada”, finaliza.

Já para o empresário Newton Baldasso, renderizador 3D na empresa Attitude Positiva e carnegiano formado, conforme as notícias foram chegando e o trabalho precisou dar uma pausa, ficar de mãos atadas esperando que a situação melhorasse nem passou pela sua cabeça. Reunindo amigos e contatos, Newton rapidamente montou uma cozinha solidária com distribuição de marmitas encaminhadas a áreas afetadas. Entretanto, conforme a ideia foi tomando forma e mais pessoas se voluntariaram, o desafio deixou de ser a comida, mas sim, lidar com as pessoas. “Vi uma mobilização muito grande nas primeiras semanas, mas muito desorganizada. As intenções eram as melhores possíveis, mas sem ter quem liderasse, os esforços individuais eram muito inferiores quanto se agrupássemos verbas, doações e contatos em uma grande frente. Em meio ao caos, controlar dezenas de pessoas com as emoções à flor da pele foi um desafio. Sem pulso firme, cada notícia que recebíamos, cada boato que ouvíamos poderia desestabilizar todo o trabalho”, discorre.
Ao gerenciar o seu e o estresse dos voluntários com quem estava lidando, foi possível otimizar a logística de recebimento, produção e encaminhamento das doações para atingir ainda mais pessoas em necessidade. “Também foi importante lembrar que mesmo bem, em segurança, estamos lidando com seres humanos, com emoções e sentimentos flutuantes. Muitas pessoas sentiram culpa de estarem bem, impotentes por não se sentirem úteis. Os princípios de liderança foram muito úteis para criar essa frente de trabalho na montagem das marmitas destinadas aos municípios, que hoje já se tornou em um projeto ramificado e estruturado para continuar acontecendo, pois conseguimos organizar as pessoas a extraírem o seu melhor potencial e colocar a força naquilo que tem mais desenvoltura para realizar”, completa.