*Este texto contém um convite a todas nós que, em algummomento, já reviramos os olhos para atitudes de mulheres de geraçõesanteriores, como nossas mães, avós, tias, vizinhas ou aquela senhorinha da aulade zumba ou inglês.
Um convite à empatia.
Quando me aproximei dapiscina, no horário da terceira idade, para recuperar uma das aulas de hidroginásticaque fiz durante a gestação, percebi uma indiscreta movimentação das senhorascom mais de sessenta, setenta, até oitenta anos, que já estavam dentro d’água. Eraa primeira vez que eu aparecia ali -porque meu horário era outro – e diferentemente delas, eu não vestia maiô,mas um shortinho e um top de ginástica que deixavam meu barrigão livre, já queo maiô não servia mais aos oito meses de gravidez.
Elas começaram aapontar para mim, cochichavam, não paravam de olhar e fazer comentários. Eufiquei incomodada, porque foi um alvoroço, tirou a atenção da professora, quejá havia iniciado os movimentos. Como a piscina estava lotada, eu tive depassar bem perto de várias das senhoras até encontrar um lugarzinho no qual eupudesse ficar. Nesse trajeto, algumas chegaram, invasivamente, a tocar minhabarriga. As que conseguiam, mostravam para a colega ao lado, incentivando-a atocar também. Fizeram várias perguntas, que eu nem me lembro, só recordo queestava achando um exagero aquela comoção delas. Eu me senti desconfortável coma situação. E cheguei a pensar, irritada: “_Será que nunca viram uma barriga degrávida?”
Foi então que, já maisperto das senhoras, pude ver o brilho que havia nos olhos de algumas delasdiante da presença de minha barriga e eu me lembrei de algo que conto em minhaspalestras, nas quais me utilizo de histórias do livro Mulheres do Interior, quelancei em 2013, para mostrar a diferença entre a vida das mulheres do tempo dasnossas avós e a nossa. Evidencio questões simples e corriqueiras, que sãonaturais para as mulheres da atualidade, mas que na época de nossas avós eramtabus. Questões que são tão naturais que sequer damos importância a elas, masque constituem grandes conquistas em relação a privações e constrangimentosimpostos às mulheres que viveram antes de nós. A gravidez e nossa liberdade emrelação ao sexo é uma delas. Diferentemente de nós, que vivemos a gestação emsua plenitude, compartilhamos a evolução da gravidez nas redes sociais,ostentamos o barrigão e o que ele representa – o presente de estar gerando umavida -, essas senhoras possivelmente tiveram de ocultar suas gravidezes,disfarçando a barriga saliente com roupas bem largas.
E eu estava ali, diantedelas escancarando a pele de meu barrigão na água, jogando-o, livre, leve,solto, de um lado para outro; elas foram proibidas de ir à missa e a eventos dacomunidade, para evitar comentários sobre a gestação (ou seja, sobre a relaçãosexual existente entre o casal). Sexoera tabu. E, antigamente, queria se evitar ao máximo qualquer comentáriorelacionado ao tema. Por isso, as mulheres grávidas ficavam reclusas.
Talvez, quando me viramchegando à piscina tenha ressoado em suas memórias frase que era comumente ditaàs grávidas antigamente, quando chegava uma visita a suas casas. “_Te esconde, tu não tem vergonha? Teesconde, tu tá grávida”, bradavam as demais mulheres da residência (sograou cunhadas), empurrando a grávida para outro cômodo. Retornavam dizendo queela estava acamada, sem poder receber visitas.
Assim se respondeu a perguntaque havia passado a minha cabeça, se aquelas senhoras da aula de hidroginásticanunca tinham visto uma barriga de grávida? Poucas vezes devem ter visto.Raramente devem ter tocado. A delas próprias, pouco devem ter acariciado,tamanha era a vergonha do sexo que precisavam esconder, mesmo, obviamente, sendo com o marido e para atender aospreceitos católicos de não evitar de forma alguma a concepção de filhos.
Então, toda aquelareação que tinha parecido exacerbada para mim, em segundos, passou a me deixarcomovida, fazendo-me trocar a irritação por um sorriso amoroso nos lábios,respondendo com gentileza aos questionamentos das colegas idosas fascinadas comminha enorme barriga de grávida.
Até convidei a mão dealgumas que ainda não haviam feito a sentir o bebê.
E terminei a aularepleta de bênçãos e desejos de uma boa hora.